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LADINA IV-V-VI

LADINA IV-V-VI

O p

Cada vez mais branca, cada vez mais magra. Só o seu porte de grande senhora não encolheu dentro do caixão mais estreito da vila.

 

— É o mais belo, o mais florido … a dar ouvidos a todas as línguas da vila.

 

Os parentes barafustaram porque o próximo casamento do senhor já estaria marcado.

 

— Sim, marcado e com a criada – dizia a voz do povo.

 

— E antes da criada chegar ela era saudável e ninguém lhe cobiçava fortuna.

 

— Morreu envenenada.

 

— Mataram-na.

 

— Queremos autópsia.

 

Era realmente a voz do povo a fazer-se ouvir.

 

Que barulheira! Até parecia que morrera o rei (desculpem, mas sou republicano).O barulho foi tanto ou tão pouco que logo a GNR se pôs em campo para apanhar o autor de tão hediondo crime.

 

E, enquanto os valorosos guardiães da sociedade venciam as dificuldades da serra, Ladina enfrentava as fúrias amorosas do seu “prometido” esposo, com o olhar fixo nas vigas de carvalho do quarto da cama grande, quem sabe, traçando, desde já, o destino do ainda seu senhor. Quando este, já saciado, gozava as delícias de um merecido descanso, ouve-se o ladrar dos cães, a vozearia da criadagem, o tilintar de ferros.

 

Senhor à guarda do cabo, alto e espadaúdo, como convém na autoridade, cabeça de rato bem acentuada por raros pêlos eriçados do bigode regulamentar, e já Ladina, meia vestida meia por vestir, uma mão segura as saias, outra a matilha, corre desabrida pelos campos. A repousar da corrida, ofegante, cabeça entre os joelhos, costas apoiadas num palheiro, é surpreendida por dois soldados que lhe iam no encalço.

 

Segura pelos braços entre os dois seguia, cabeça bem levantada, peito a arfar; parada militar, tão certo era o passo. Um baixo, gordo, seboso, careca, que o boné e restante fardamento não deixam mentir. Outro, fininho e baixo quanto baste, levemente atrapalhado com a figura meia composta daquela que conduziam, gritava com voz aflautada:

 

— Vamos, vamos …

 

Ao atravessar o pinhal, Ladina estacou, olhos nos olhos de um e outro, e falou:

 

— Por favor preciso de parar.

 

— Pararás quando chegarmos – foi a resposta – agora é sempre a andar.

 

Sem os desfitar, ela atirou:

 

— Sou mulher e não sou como vocês, voltem só as costas para eu me agachar. Afinal são dois homens e com armas, e eu não penso fugir.

 

Os soldados da GNR e o olhar de Ladina … O olhar venceu. Quando voltaram as costas, porque a espera era longa (daí vem o olho de lince característico desta força militar), de Ladina nem rasto. Fugira.

 

Correu, saltou, esfolou-se, até ser vencida pela fadiga.

 

Familiares da defunta e forças da GNR encurralaram-na.

 

— Finalmente presa – pensam uns.

 

— Tenho que fugir – pensa a outra.

 

Cadeia da vila e para ela cela especial.

lano de fuga tomou forma, logo que se apercebeu, que menos uma grade na janela e uns quilos no corpo, tinham a forma da liberdade.

As raras visitas, com grandes cunhas nos funcionários judiciais e pouco agrado de carcereiros, terminavam sempre em choradeira.

— Coitadinha, eles matam-te de fome.

— Sr. José, a coitadinha está tão magrinha …

— Sr. José, vele por ela que pode ficar tísica.

Um dia chegou o resultado de um sussurro na orelha da visita amiga e foi pelo decote que desceu a serra, qual pomba em liberdade no seu pensamento.

A autópsia era demorada, mas já o não deveria ser o resultado, o julgamento e o veredicto final:

— Culpada - dedo em riste e olhar flamejante, saído por entre aqueles panos negros.

Ninguém a reconheceu ao amanhecer, aquele esqueleto dançante, metido entre roupas de gigante. Quantos quilos lhe valeram a liberdade …

A amiga também não faltou com a ajuda, e duas horas de mula, um ribeiro a transbordar, quedas e silvas, sabor de se sentir livre. O caldo de farinha e couves, entre linguajar diferente, era um verdadeiro manjar, mas com o corpo habituado a pouco ou nada ingerir, acentuou-se. Demais sabendo-se um peso para aqueles amigos, pobres dos mais pobres, mas que tanto tinham feito por ela.

Chegar á cidade e falar a sua língua era o seu desejo, que semanas depois viu comprido, depois de muito penar por montes e vales que a justiça não a esquecera.

Surpresas lhe estavam reservadas. Seu porte altivo tinha regressado e o seu peito a ser cobiçado. A cidade, em tudo uma desilusão. Era uma vilazinha, um pouco maior que a sua. Os tostões acabavam-se, e havia que acautelar o futuro. Depressa se apercebeu que sem dinheiro voltava á velha saga e se não caía nas mãos deste, era nas daquele.

De senhor a azeiteiro, de polícia a ladrão, não havia olhos que a não tivessem cobiçado. E antes cair diante da careca gordo, forrado a notas, do que farda ou vadio. Mas despercebida não passava e as autoridades actuaram.

 

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